Eu não fui uma criança gorda, e só me dei conta disso quando comecei a entender melhor a militância gorda. Eu era uma criança grande, é verdade, era mais alta que as outras, e, por ter menstruado aos nove anos meu corpo se transformou muito cedo. A cada visita na casa de parentes eu ouvia que estava “gordinha”, num tom meio que de reprovação. Ficava triste e constrangida com aquilo, sem nem saber o significado direito, mas, pelo tom que esse tipo de comentário era feito, eu já sabia que não parecia algo bom.
Alguns anos se passaram, e agora não aturo comentários sobre meu corpo vindo de ninguém. Claro que existem maneiras para responder diversos tipos de pessoa – eu, por exemplo não respondo à minha vó do mesmo jeito que respondo a, sei lá, um tio distante -, mas é importante deixar claro que a maturidade me trouxe isso.

O que andam fazendo com as crianças em matérias jornalísticas e programas de TV em geral é de uma crueldade sem tamanho. Na nova temporada do programa ‘Socorro, meu filho come mal!’, do GNT, uma das personagens da nova temporada é Maria Clara, uma menina de nove anos que está “acima do peso”, segundo Gabriela Kapim, a nutricionista. Eu vejo apenas uma menina maior – tanto na estatura, como no peso – que as outras crianças. No episódio em que Maria Clara era protagonista, Kapim viu que a menina tinha um alto consumo de alimentos industrializados e comia em grandes porções também. Acho curioso o fato do “comer demais” ser um problema apenas para a criança gorda, enquanto a questão das crianças magras é o fato delas não comerem o suficiente. Mas o que mais me chocou foi a mãe explicando a razão da inscrição da filha no programa. Na escola, Maria Clara escreveu uma cartinha para o menino que gostava, e foi ridicularizada, por ser feia, gorda e “ter o cabelo feio” – mostrando que crianças, além de reproduzirem misoginia e gordofobia, reproduzem racismo. A mãe chorava ao contar o episódio, mas infelizmente não se deu conta que a verdadeira culpada desta história tá longe de ser Maria Clara.
Enquanto isso, Kapim ressaltava as características intelectuais e artísticas da menina, mas a pentelhava pelas poucas aptidões físicas. O que Kapim não percebe é que a socialização de Maria Clara é prejudicada por crianças que segregam e que reproduzem a gordofobia que provavelmente rola em suas casas. Aliás, Kapim, focar no emagrecimento de Maria Clara para que ela adote uma alimentação mais saudável também é violento, viu?

Ontem, no Fantástico, um quadro falava de uma pesquisa feita sobre obesidade (odeio essa nomenclatura) entre adolescentes brasileiros. Pais preocupados com a quantidade de comida ingerida pelos filhos e pelo bullying sofrido por eles na escola, buscaram ajuda com especialistas. Pelos depoimentos, a inquietação dos pais era um misto de preocupação com a alimentação dos adolescentes, mas a gordofobia também estava entranhada ali. Para vocês terem uma ideia, uma mãe  trancou a filha no próprio quarto porque ela aprendeu a fazer leite condensado caseiro. Se isso não é violento e traumático para quem ainda está em formação de juízo de valores, eu não sei mais o que é. Para minha surpresa, todos os especialistas pediam aos pais que parassem de destacar emagrecimento no processo de reeducação alimentar, pois a cobrança pode acatar no efeito inverso e acabar por desenvolver ansiedade e até compulsão alimentar.

criancasgordas2     Outra criança também tendo sua alimentação controlada com foco no emagrecimento, em outra temporada do mesmo programa.

O fato é, patologizar uma característica física de uma criança e cobrá-la em excesso vai criar uma série de adultos infelizes e frustrados, além de gordofóbicos. Resta pensar se é esse tipo de sociedade que a gente quer para os nossos filhos, sobrinhos etc.

 

1 Comment

  1. Eu fui uma criança gorda, mas que sempre foi saudável. Lógico que, como criança, gostava de comer coisas industrializadas, mas sempre tive saúde. Tinha um primo super magro, da mesma idade, que não comida nada saudável, e não é saudável até hoje (e ainda é magro). Lógico que como mãe me preocupo com a alimentação do Gi: quero que ele seja saudável, ponto. Mas, fazer terror nutricional não leva a lugar nenhum. O Gi come super bem, come verdura, come de tudo, mas também toma danoninho e eu tenho noção que não é isso que vai mata-lo.

    Quando o emagrecimento, ou o que quer que seja, tem foco tão somente na visão social e não na saúde em si, não tem sentido algum!

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