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gordofobia

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À primeira vista, o título choca. Em conversa com uma amiga, chegamos à conclusão que amamos nossos corpos, mas ser gorda numa sociedade extremamente gordofóbica não é moleza.
Não me admira um monte de gordas que sempre falarem de amor próprio estarem sucumbindo à dietas “milagrosas” e cirurgias.  Tem muita gente chegando no limite, muitas vezes por terem acreditado na falácia que o amor próprio muda tudo.

A real é que o fato de amar meu corpo muda muito o jeito como eu vejo o mundo, mas infelizmente não tem influência sobre como o mundo me vê.

Amo meu corpo, mas odeio ser tratada como doente pelo médico antes mesmo dele me examinar.

Amo meu corpo, mas odeio ficar apreensiva quando vou a cinemas e teatros sem saber se vou caber nas poltronas e cadeiras. E quando vou a uma festa, sem saber se as cadeiras vão suportar meu peso;

Amo meu corpo, mas odeio os olhares julgadores pra ele.

Amo meu corpo, mas me dá raiva pensar em ter que comprar duas passagens de avião se quiser viajar com conforto;

Amo meu corpo, mas sinto incômodo em ter gente controlando tudo o que ponho no meu prato sob a desculpa de preocupação com a minha saúde;

Amo meu corpo, mas me magoa ver gente que eu amo dizendo que “não pode engordar de jeito nenhum”;

Amo meu corpo, mas fico frustrada quando vejo uma tendência de moda que muitas vezes só vai chegar no meu tamanho quando já estiver saturada;

Amo meu corpo, mas tenho pavor de andar de ônibus desde que fiquei entalada na catraca e tive que pedir pra me empurrarem pra eu passar.

Conhecer e amar meu corpo foi só o começo de uma trilha que não é fácil, mas que vai me ajudar a chegar longe. Ser uma gorda resistente é exaustivo, mas sigo resistindo.

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Nos dois últimos meses, uma coisa tem chamado bastante a minha atenção: como pessoas famosas e também blogueiras de grande alcance tem se apropriado do discurso body positive. O que é ótimo, se paramos para pensar que toda mulher sofre pressão estética – afinal, é de conhecimento geral que nossa sociedade odeia mulheres. Só que o buraco, queridas, é bem mais embaixo.

O que vou falar pode chocar inicialmente e parecer cruel, mas o movimento body positive não tá nem aí para mulheres gordas. É um discurso que fala exclusivamente de autoaceitação, excluindo questões estruturais como falta de acessibilidade, patologização do corpo gordo, negligência médica. O movimento body positive pode não ter sido criado para tal, mas ele, hoje, tem como principal função invisibilizar a fala de mulheres gordas. Toda a discussão sobre um corpo fora dos padrões estéticos resumida à autoestima.

Eu cheguei num ponto, que a cada post, stories ou compartilhamentos “revoltados com o padrão estético feminino” consigo sentir fisicamente minha voz falhando. A sensação que tenho é que perdi a voz para que essas mulheres magras se sintam no direito de falar sobre algo que elas não vivem, só porque “toda mulher tem local de fala no rolê da pressão estética”. Algo no estilo “é uma pena o hospital não dispor de macas para mulheres do seu tamanho, mas você já viu o avanço que foi a Anitta colocar a bunda com celulite pra jogo no clipe?”. Perdoem o linguajar, mas foda-se a bunda da Anitta. Quando a Preta Gil posou nua na capa do primeiro CD dela – toda retocada de Photoshop, é preciso destacar – as pessoas atacaram sem dó. Quando a Thais Carla posou de biquíni, foram incontáveis os comentários de ódio. Vocês não querem ver bunda real com celulite – vocês querem se sentir melhor porque a bunda de uma mulher dita como gostosa também tem celulites.

Só agora elas notaram que a indústria da moda é escrota – e se vestem um manequim a mais que as modelos 34/36, já crêem estarem aptas a falar. Reivindicam o direito de “se sentirem gordas”, embora sempre tenham mulheres explicando (com mais ou menos paciência, rs) que ser gorda não é sobre sentimento, e sim sobre a perda diária de direitos. Pode parecer que eu estou aumentando, mas perdi as contas de quantas vezes tive que explicar o que pessoas gordas passam para que as pessoas entendam que não é sobre brusinha na Cantão. Ainda tenho que lidar com a desonestidade de quem diz que eu não respeito pessoas com distúrbio de imagem.

Eu estou exausta. De explicar, de ter que ser didática, de brigar. Queria ser positiva e acreditar que teremos mulheres gordas no próximo ano ocupando cada vez mais espaços que antes nos eram negados, mas o que eu vejo são mulheres usurpando todo o nosso discurso e a nossa luta simplesmente pelo medo – ou seria a ojeriza? – de dividir o mesmo espaço conosco. Eu queria ser uma dessas mulheres a deixar de lado a fala de “me odiava, agora me amo” e colocar na mesa o que realmente precisa ser discutido, mas não sei se vou ter pique para isso.

“Eu não sou forte o suficiente para lidar com isso tudo sozinha”

Vou aproveitar o recesso de fim de ano e buscar seguir o conselho da Gabriela Moura, nesse texto sobre razões que te fazem adoecer na militância: ‘me proteger, me preservar, e cuidar para que a saúde não seja ainda mais afetada pelas melhores intenções.’

 

 

Depois de um hiato causado pelo combo reforma em casa + mudança + casamento, voltei. Nesse espaço de tempo, aproveitei para ler bastante, além de observar discussões em fóruns diversos. O sentimento que eu tenho é que estamos, com raras exceções, como aqueles cachorros que ficam correndo atrás do próprio rabo. Sem avanços, indo a lugar nenhum.

Pelo menos toda semana em algum grupo eu vejo alguém postar uma selfie ou foto em frente ao espelho. A legenda, na maioria das vezes, fala sobre o quanto é importante se amar e se achar linda (o), mesmo que a sociedade te diga o contrário. Na maioria das vezes, esse discurso vem de pessoas que passam por pressão estética

As discussões acerca da gordofobia nunca foram só sobre isso.

“-Doutor, eu fui empalada!

– Você provavelmente se sentirá melhor se perder peso”

 

Claro que é importante se amar, se admirar. Mas, até aí, o mundo tá cheio de gente padrão que se odeia, que “se vê” de uma maneira completamente distorcida. É importante sim mostrar que existe mulheres além das modelos que tem a autoestima nas alturas. Mas quando falamos de gordofobia, amor próprio é quase a ponta do iceberg. Aceitar o próprio corpo e ver beleza nele muitas vezes é o pontapé inicial para a luta real contra a gordofobia, mas não deve ser nunca o ponto final.

“Se achar feia” não é nada quando existem pessoas que são privadas de seus direitos básicos apenas por serem gordas.

Enquanto a gente discute a foto de fulana que se acha gorda, tem uma pessoa realmente gorda sendo negligenciada nos consultórios médicos, sendo indicada erroneamente para cirurgia bariátrica ou tendo diagnóstico de “obesidade” sem investigar outros pontos da saúde além do peso;

Enquanto a gente comenta “arrasou miga que linda” na selfie de cueca do cara que “quebra padrões”, empregos são negados às pessoas gordas, as deixando cada vez mais à margem da sociedade;

Enquanto as pessoas estão aplaudindo campanha com modelo tamanho 48 por “representatividade”, tem gente com seu direito de ir e vir sendo cerceado ao não conseguir passar na catraca do metrô ou do ônibus.

Precisamos parar de olhar só pra gente ou pra nossa bolha e entender que a luta é pelo coletivo. Infelizmente se achar linda em nada vai fazer com que seu médico te respeite, e mesmo que você use um cropped com sua barriga de fora, as cadeiras de plástico ainda podem continuar quebrando se você sentar nelas. Empoderar uma mulher gorda é muito mais que falar sobre a beleza dela, é mostrá-la que ela deve lutar pelos seus direitos, questionar a sociedade gordofóbica. Vamos evoluir no discurso. Já ganhamos parte da publicidade,  estamos conseguindo notoriedade no campo da moda e da beleza… já passou da hora de entendermos que não é só sobre beleza, e sim sobre direitos!

 

 

Quando me assumi como militante gorda, comecei a prestar mais atenção nas coisas que eu falo, principalmente na internet. Qualquer palavra ou frase mal colocada pode causar uma interpretação errônea de quem lê ou ouve, e, se tem uma coisa ruim para quem quer e precisa provar um ponto, é perder credibilidade. Vejo muita gente falando que o ativismo gordo não perdoa, mas essa fala vem sempre antes de se revelar um propósito: o emagrecimento.

Veja bem, emagrecer não é um erro. Tudo bem querer emagrecer, juro. Você é dona do seu corpo, pode fazer o que bem entender com ele. Não está mais se achando linda quando se vê no espelho? Uma pena, mas pode ir fundo. Não consegue arrumar emprego e sucumbiu ao sistema? Justo. Quer entrar na roupa de marca famosinha? Ok. Eu não acredito que estes sejam motivos para desejar enfrentar um processo de emagrecimento – que por muitas vezes é fisicamente e mentalmente doloroso -, e é por isso que eu não emagreço. Mas você pode, se quiser.

Mas nunca é por isso que eu vejo a maioria das mulheres gordas anunciarem que decidiram emagrecer. O motivo é sempre a saúde. Obviamente a mais justificável das razões, mesmo vinda de mulheres que sabem que problemas de saúde têm mais a ver com sedentarismo e má alimentação que com o formato do corpo em si. Tanto que muitos médicos passam remédios para “auxiliar” no processo de emagrecimento.

Para mim, desserviço mesmo dentro da militância é a necessidade de se explicar. Porque sempre -sempre!- a emenda sai pior que o soneto. No afã de não deixar parecer que você está emagrecendo porque quer (e convenhamos, na maioria das vezes essa é a razão), surgem falas gordofóbicas no discurso, e aí, amiga, você realmente tá queimada no rolê. Mas não porque decidiu emagrecer, e sim porque está mentindo ou justificando seu emagrecimento com fundamentos gordofóbicos.

Junto com as milhões de defesas, vem também as fotos de pratos de salada, na frente do espelho na academia, e, claro, os textões atestando as alegrias de emagrecer e ser mais saudável, e daí para as famigeradas fotos de “antes e depois” é um pulo.

Volta e meia bato na tecla de que ninguém tem o direito de opinar sobre o corpo de outra pessoa. Da mesma maneira que não há a necessidade de anunciar que começou um processo de emagrecimento, porque ninguém tem nada a ver com isso. Só é impossível se expor por algo contraditório ao que se prega, e, quando alguém aponta a incoerência no discurso – e é sempre alguém do ativismo -, dizer que a militância não aceita o emagrecimento alheio.

 

 

Hoje começa mais uma novela das nove (quando eu era criança as novelas eram “das oito”), e teremos a talentosíssima Mariana Xavier no papel de Abigail, uma secretária que deverá enveredar pelo caminho das passarelas da moda Plus Size. Já tive a oportunidade de conversar com a minha xará – conversa que rendeu esse post-, e ela mesma declarou o desejo de viver uma personagem em que não houvesse nenhuma questão ou menção envolvendo seu biotipo físico.

Claro que ficaremos felizes por termos uma atriz fora dos padrões de beleza ocupando espaço no espaço premium da televisão, mas será mesmo que Abigail vai ser uma personagem daquelas que nos representará? Ou sua trama vai girar em torno de seu corpo gordo?

Puxando aqui pela memória, busquei três personagens gordas de novelas globais que foram absurdamente estereotipadas. O final de duas destas personagens foi praticamente o mesmo; de uma delas foi absurdamente ridículo, “em nome do humor”. Vamos lá:

Carola (Fernanda Souza) – O Profeta

A problematização começa quando sabemos que a atriz Fernanda Souza precisou engordar sete quilos para viver Carola, no remake de “O Profeta” em 2006. Ora, não haviam atrizes com o corpo desejado para viver a personagem? Pois bem, Carola era uma professora não-magra que, obviamente era desastrada e não entendia de moda ou beleza. Devido a isso, era motivo de vergonha para os seus pais e vivia mal humorada e sozinha. A trama de Carola é basicamente seu insucesso amoroso e sua tentativa de se tornar uma mulher bonita, ou seja, magra. No fim, a personagem tem um “final feliz”, casando com um rapaz tão desajeitado e tímido quanto ela.

Perséfone (Fabiana Karla) – Amor à vida

Perséfone foi a primeira personagem de destaque de Fabiana Karla em uma novela. Tratava-se de uma enfermeira que tinha a virgindade – ligada ao fato de ser uma mulher gorda e não desejada pelo gênero oposto- como ponto central de sua história. A personagem tinha o clichê da gorda romântica e sonhadora, mas protagonizou cenas de “comédia” (entre aspas mesmo, porque não tinha nenhuma graça) a cada tentativa de perder a virgindade. Perséfone conheceu Daniel, se apaixonou e casou, enfrentando ainda a ira de sua sogra, que não a aceitava pelo simples fato de ser gorda. A personagem ainda tinha uma música esdrúxula como tema – falei dela nesse post aqui. Óbvio que no fim ficou tudo bem e Perséfone foi feliz com seu amado.

Dona Redonda (Vera Holtz) – Saramandaia

De longe a mais ofensiva das personagens. Dona Redonda tinha várias problemáticas, a começar pelo fat suit (não sabe o que é? falei sobre nesse post aqui) usado, para que Vera Holtz ficasse o mais caricata possível. Quase todas as aparições da personagem tiravam sarro de seu tamanho e de sua fome – sim, Dona Redonda comia compulsivamente e isso era tratado como algo engraçado. Além disso, era casada com um personagem bem magro e pequeno, pra dar o tom de comédia no “desequilíbrio” do casal. Dona Redonda teve um fim bizarro: explodiu de tão gorda.

Fica aqui a torcida para que Abigail seja uma personagem que nos surpreenda  e dê um super destaque para a visibilidade de mulheres gordas, e não mais um reprodutor de estereótipos.